CARTA DE MANIFESTO

Os Conselheiros representantes no Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço que abaixo subscrevem, após ouvido o Soberano Plenário em Assembleia Ordinária realizada no dia 20 de novembro de 2015, solicitam o envio deste Manifesto às diversas instituições interessadas, à sociedade brasileira e à Rede Mundial de Reservas da Biosfera do Programa MaB-UNESCO. Tal solicitação se justifica em razão do trágico evento ocorrido na operação de minério de ferro da Samarco Mineração S.A., no município de Mariana, em Minas Gerais, Brasil, na quinta-feira, 05 de novembro de 2015, com o rompimento da barragem de rejeitos. As consequências ainda estão sendo mensuradas, mas as primeiras conclusões apontam danos ambientais, sociais e humanos sem precedentes na história brasileira, abrangendo toda a extensão do Rio Doce compreendida entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, até a sua foz no Oceano Atlântico.

CONSIDERANDO as perdas irreparáveis de vidas humanas e as falhas nos planos de contingência que deveriam garantir a segurança e o bem estar dos funcionários e das comunidades diretamente influenciadas pelas operações de extração do minério de ferro da companhia Samarco, no município de Mariana em Minas Gerais;

CONSIDERANDO os danos à fauna e à flora, representados pela imensa mortandade de animais e plantas, pelo desaparecimento local de espécies aquáticas dos trechos afetados e pela possível extinção de espécies endêmicas do Rio Doce;

CONSIDERANDO o colapso do ecossistema fluvial e seus processos ecológicos, dos quais dependem populações humanas e toda a vida silvestre ao longo do Rio Doce;

CONSIDERANDO a inextinguibilidade dos riscos de ruptura de barragens de rejeitos de mineração e a magnitude dos danos decorrentes de tais rupturas em megaempreendimentos minerários, bem como os demais impactos ambientais, sociais e econômicos positivos e negativos decorrentes da atividade minerária e sua repartição na sociedade;

CONSIDERANDO a larga escala das operações de extração de minério de ferro no território da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço e sua influência na economia local que determina forte dependência da gestão pública dos municípios mineradores a essa atividade;

CONSIDERANDO que as operações de extração do minério de ferro são realizadas em ecossistemas de alta sensibilidade ambiental, baixa resiliência e prioritários para conservação, num território reconhecido pela UNESCO em 2005 como uma Reserva da Biosfera;

CONSIDERANDO os impactos da atividade minerária causados sobre os mananciais e todo o conjunto dos recursos hídricos, bem como sua influência direta sobre abastecimento de água para as populações humanas, dessedentação de animais e atividades econômicas que dependem diretamente das boas condições desse bem essencial e insubstituível;

CONSIDERANDO a necessidade de diversificação das atividades econômicas nos municípios mineradores a partir das suas peculiaridades, características geográficas e culturais, a fim de ampliar as oportunidades de desenvolvimento e prosperidade dos cidadãos;

CONSIDERANDO a obrigação de aprimoramento contínuo das operações minerárias tendo em vista as dolorosas lições aprendidas à custa de perdas de vidas humanas e de colapso socioeconômico e ambiental;

CONSIDERANDO a evidente necessidade de medidas emergenciais de curto, médio e longo prazo de prevenção, contenção, mitigação, reparação e compensação dos danos ambientais e socioambientais decorrentes do rompimento da barragem e as externalidades negativas desse fato;

CONSIDERANDO a tramitação, na Comissão Especial do Congresso Nacional, do Projeto de Lei 5807/13, sobre o Código da Mineração e a premente necessidade de aprofundamento e ampliação dos debates;

CONSIDERANDO a necessidade de conclusão e divulgação de laudos oficiais que determinarão as reais causas da tragédia de Mariana, bem como a mensuração dos impactos socioambientais decorrentes;

CONSIDERANDO a capacidade instalada no Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, constituída por técnicos e especialistas representantes de instituições governamentais, não governamentais, universidades, comunidades tradicionais e setor privado, com experiência em temáticas interdisciplinares no cumprimento das funções de uma Reserva da Biosfera, conservação, desenvolvimento sustentável e conhecimento tradicional e científico;

CONSIDERANDO que o Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, por meio de suas instituições parceiras e instância executiva, tem por obrigação colocar-se à disposição para contribuir com as discussões e ações pautadas na participação das instituições representativas dos diversos setores envolvidos e interessados;

CONSIDERANDO que o Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço participa, desde 2011, de um Grupo de Trabalho sobre Mineração em Reservas da Biosfera, de responsabilidade da Divisão da UNESCO de Ciências Ecológicas e da Terra com sede em Paris (França), integrando o Programa Internacional de Geociências (IGCP) e o Programa Homem e Biosfera (MaB) e que, no âmbito desse Grupo, vêm sendo apresentadas experiências exitosas locais, regionais, nacionais e internacionais de governos, empresas e instituições da sociedade civil para que se tenha um regime de uso imediato de Guia(s) de Boas Práticas de Mineração, tal qual os apresentados pelo ICMM – International Council on Mine and Metals;

o Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço se coloca à disposição para cooperar por meio da instalação imediata do Grupo de Trabalho sobre Mineração e Responsabilidade Socioambiental, de iniciativa brasileira, com apoio da Rede Mundial de Reservas da Biosfera e o Programa MaB-UNESCO, com os seguintes objetivos:

·       Estabelecer um fórum de diálogo entre as diversas partes interessadas;
·       Contribuir para que tragédias como a de Mariana sejam evitadas pela ponderação dos riscos, danos e benefícios representados por empreendimentos minerários segundo sua escala, natureza e localização;
·       Pactuar soluções exemplares em processos do setor minerário entre empreendedores, populações locais, universidades, governos e instituições socioambientais;
·       Participar dos processos de restauração dos danos ambientais;
·       Comunicar experiências e lições aprendidas.
                         
Essa iniciativa representa uma oportunidade concreta para o reconhecimento e a criação de lideranças e responsabilidades, ao reunir os diversos setores da sociedade em uma nova agenda de cooperação, visando a ações alinhadas com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS-ONU), com o Marco Estatutário da Rede Mundial de Reservas da Biosfera e com as Estratégias do Programa MaB (2015 - 2025).

Às famílias que perderam seus entes e às comunidades de toda área afetada que enfrentam condições precárias na busca pela qualidade mínima de vida, nossos sinceros sentimentos, manifestação de apoio e disponibilidade em cooperar.

Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço
Programa MaB-UNESCO


Belo Horizonte, dezembro de 2015

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